domingo, 3 de agosto de 2008

História da Calça Jeans — Tribo dos Cowboys


Calça dos cowboys — cowboys overalls — lançada pela Levi's, em 1926

Ao longo da história da calça jeans, os vaqueiros logo aderiram às roupas dos garimpeiros, pois o denim era o tecido resistente ideal para se passar horas a fio no lombo de um cavalo. Os waist overalls conquistaram os cowboys e, em 1926, a Levi's lança uma calça jeans próprio para eles, com as pernas mais arqueadas, mais apropriadas para a montaria, então surgem os cowboy overalls.
Em pouco tempo a roupa dos cowboys estava nas telas do cinema, com Tom Mix e suas bombachas, John Wayne, com as calças jeans de bainha virada. Os filmes de far west tiveram grande sucesso e os novos ídolos espalharam o modismo.
Nos anos 1930, os filmes capturaram a imaginação norte-americana do Oeste em geral, consagrando um gênero clássico do cinema, o chamado “cinema western”, também popularizado sob os termos “filmes de cowboys” ou “filmes de far west”. As calças jeans Levi's, que figuravam entre a indumentária típica dos cowboys, tornaram-se sinônimo de uma vida de independência e individualismo austero. Então, em geral, o denim passou a ser menos freqüentemente associado aos trabalhadores e mais ao tecido do autêntico norte-americano simbolizado por John Wayne, Gary Cooper.
Nesse mesmo período, a calça jeans começou a conquistar os milionários americanos que viviam na costa Leste e passavam suas férias no campo, em fazendas da Califórnia, Arizona, Nevada e outros estados. Para curtirem a aparência de vaqueiro, usavam calças jeans, levando-as de volta para sua cidade, onde eles despertaram o desejo de todos.
Sal Randazzo (1997), em "A criação de mitos na publicidade", afirma que o cowboy norte-americano é uma figura mítica, representa o arquétipo masculino do guerreiro-herói. Conforme esse autor, ele é o símbolo do espírito pioneiro e muito utilizado na publicidade dos produtos e marcas originários deste país.
A identidade de gênero, feminino ou masculino, é um aspecto muito importante da mitologia cultural, muito explorada pela publicidade. De acordo com o autor, “vivemos num mundo de opostos em que a identidade de gênero penetra em todos os aspectos da vida humana”. Segundo ele, o mito de John Wayne “se baseia no arquétipo masculino do guerreiro, cujas virtudes são a coragem, a independência e a força”, pois os personagens aos quais o ator deu vida no cinema são sujeitos fortes e calados que agüentam firme sem chorar nem mostrar seus sentimentos (RANDAZZO, 1997, p. 101).

Cowboys dos filmes de far west, da vida real e do anúncio da LEVI’S de 1890

A manipulação do arquétipo do herói-guerreiro, pela indústria cultural cinematográfica, serviu de base para a divulgação do american way of life, juntamente com a redução das diferenças regionais por meio do avanço das estradas de ferro, do telégrafo, do telefone, do jornal, da fotografia, enfim, dos componentes da dinâmica e padronizada modernização norte-americana. Antônio Pedro Tota (2000), em "O imperialismo sedutor", afirma que o tradicionalismo é um dos pontos importantes da ideologia do americanismo mercantil.
A Wrangler, historicamente, destacou-se como marca de jeans mais forte do segmento country. Ela construiu o universo de sua marca com os elementos significativos do mundo do cowboy, que, com todo seu conteúdo mítico, foi, e ainda continua sendo, um poderoso motor de propulsão. A força da Wrangler se deve, em parte, à imagem de legitimidade e agilidade, sendo conhecida, incontestavelmente, como “uma roupa para cowboy”.
Em 1904, em Genesburgo, na Carolina do Norte (EUA), John Hudson cortou 20 macacões de trabalho em denim numa pequena oficina de costura, dando origem à uma nova linha de produção. Quinze anos mais tarde, essa oficina deu lugar à primeira fábrica, chamada Blue Bell Overall Ccompany. Após sua fusão com outras empresas rivais da região, em 1936, tornou-se uma das mais importantes fabricantes de roupa de trabalho de todo o mundo. Com o aparecimento da marca Wrangler, datado de 1947, foram criadas peças básicas em jeans, jaquetas e camisas do tipo “rancheiro”, as quais imitavam o que havia de melhor na roupa dos autênticos cowboys.
Neste mesmo ano, a Wrangler lançou o modelo 11 MW (men western em homenagem ao cowboy responsável pelos cavalos e pelos trabalhos do rancho da época), em denim 11 oz (abreviação do termo onças usado para designar a gramatura do jeans — quanto maior o número de onças, variando em média de 5 a 14 oz, maior é a sua gramatura), com características estritamente funcionais: pernas mais longas e com boca suficientemente aberta para cair naturalmente sobre as botas, um pequeno bolso relógio, botões flexíveis, um tipo de arco pespontado nos bolsos traseiros e os respectivos travetes (um tipo de reforço na costura) estavam lá, no seu justo lugar, para suportar a sela de um cavalo.
Anne Hollander (1994), em "O sexo e as roupas", afirma que, durante os anos 30, na Inglaterra os homens também vestiam um antigo uniforme do trabalhador inglês — calças de veludo cotelê grosso — em sinal de protesto aos trajes vigentes naquele período. “Tais protestos em termos de vestuário podiam ser realizados sem o real abandono do esquema básico formal, e, portanto todos podiam ter o poder mais visual de parecer lúdicos e verdadeiros, e não falsos e ridículos” (HOLLANDER, 1994, p. 208).
Quanto a Levi's, no ano de 1936, a etiqueta vermelha (Red Tab Device) é colocada pela primeira vez no bolso traseiro direito dos waist overalls, tendo o nome da marca bordado em branco e em caixa alta (letra maiúscula).
No ano seguinte, em 1937, os bolsos traseiros são costurados nos waist overalls, portanto cobrem os rebites, atendendo assim aos consumidores que reclamavam que os rebites riscavam móveis e selas. Os botões para os suspensórios são excluídos dos jeans da Levi's. Os consumidores recebem botões sobressalentes no caso de ainda desejarem usar os suspensórios.

O jeans dos vaqueiros dos anos 30 e 40

O reflexo das mudanças da Segunda Guerra Mundial (1939-1954) atinge diretamente a produção dos overalls, por causa das regras estabelecidas pelo Conselho de Produção de Guerra para a conservação das matérias-primas: o rebite do entrepernas e a cinta são excluídos para economizar metal, o filigrana do desenho arqueado sai, já que a costura era somente decorativa e não vital para a utilidade da peça de roupa. Para manter o desenho nas calças, a Levi's fez com que os operadores das máquinas de costura pintassem o desenho em cada par de calças.
José Carlos Duran (1988), em "Moda, luxo e economia" afirma que até o início dos anos 30, o jeans era calça de homem para o trabalho pesado. Em 1935, a Levi's patrocinou torneios de cowboys e anunciou em Vogue, luxuosa revista de moda, sugerindo o jeans como roupa de lazer, associada — é claro — ao velho Oeste, mas não mais como roupa de batente.
Em 1948, foi adotado o “W” para o pesponto dos bolsos traseiros dos jeans da Wrangler; a etiqueta de qualidade passou a trazer o desenho do destemido cowboy com uma tira de história em quadrinhos, denominado Rodeo Series, para ser colecionada por crianças; o famoso designer Rodeo Ben, de Hollywood, começou a desenhar para a Wrangler. As inovações incluíam uma nova modelagem com zíper no lugar dos botões, além da etiqueta traseira de couro.
Entre 1950 e 1952, Rodeo Ben vestiu os famosos cowboys do cinema, como Hopalong Cassidy. Este foi o primeiro a usar o black denim, jeans que ficou conhecido como Hoppys. Em 1964, a Wrangler lançou o broken twill denim, uma estrutura em sarja interrompida, assinada por John Neil Walter.
Hopalong Cassidy e o black denim, década de 1950
Nas décadas de 50 e 60, o grupo expandiu-se internacionalmente e a Wrangler atravessou o Atlântico com peças puro estilo western. Em 1970, a marca já era uma das líderes do mercado jeanswear na Europa e segunda na América do Norte, só perdendo para a Levi's; ainda assim a primeira em imagem e estilo western.
Em 1980, sob a direção de James Bridges, é lançado "Urban Cowboy" (O Cowboy do Asfalto), o filme norte-americano estrelado por John Travolta no papel de Bud, um garoto texano que se muda para Houston com o seu Tio Bob (Barry Corbin) e vai trabalhar com petróleo. Ele é doutrinado rapidamente aos rituais noturnos da bebida, dança, e drogas na companhia do vaqueiro Gilley, um arruaceiro local. Lá ele se encontra e se casa com Sissy (Debra Winger). O Filme, que virou um hit nos anos 80, trouxe várias influências ao movimento country, inclusive na moda da época, criando outra western-mania, que durou até o começo dos anos 90.

John Travolta em Urban Cowboy, 1980

Durante a década de 90, motivado pelo sucesso da indústria cultural de rodeios e festas de peões, transformado num estilo de vida, o country tornou-se uma linguagem de moda compreensível no interior e nos grandes centros urbanos. A estratégia de marketing adotada pela confecção WKA teve participação obrigatória nos rodeios, principalmente no de Barretos, em busca da Meca do consumo country, incluindo o cantor Sérgio Reis, que aparecia vestindo o jeans em seus programas.
No final da década de 90, a Staroup, uma das maiores fabricantes nacionais de jeans do momento, e a dupla Chitãozinho & Chororó laçaram uma linha jeanswear no mercado country, com a coleção Ranger by Chitãozinho & Chororó.
Na mesma época, a confecção Rodeo Way, na parceria que firmou com o bicampeão de bareback (modalidade de competição) Adriano Moraes — cowboy paulista que ganhou notoriedade até nos Estados Unidos —, também lançou uma a linha de produtos voltados para este mercado, englobando calças jeans, camisetas e camisas com a assinatura do campeão mundial de rodeios. Em 1998, para festa em Barretos, a organização elegeu a Rodeo Way como marca oficial do evento.
Quando o assunto é moda, sem dúvida, as novelas são o principal veículo difusor de idéias e conceitos no Brasil: sendo exibidas na TV, geram, é claro, a massificação de qualquer produto. Entretenimento predileto de muitos brasileiros, as novelas ajudaram a popularizar o estilo country: de "Ana Raio e Zé Trovão" (Manchete) passando pelo "Rei do Gado" (Globo), à "América" (Globo) o mundo povoado por vaqueiros e fazendeiros vem servindo de ambiente para enredos românticos e sociais.
O estilo do cowboy norte-americano influencia os modos de vestir do cowboy brasileiro, para o qual o chapéu, a calça jeans e as botas são indispensáveis. No entanto, ele também gosta de lenços no pescoço, botas com ponteira e, no caso das mulheres, chapéus com broches, adereços que não fazem parte da tradicional indumentária norte-americana.
O armário do cowboy politicamente correto é composto por calça jeans cós-alto; embora justa, não contém elastano; a textura deve ser a broken twill conseguida através da trama do tecido; o modelo da bota é o jousting (salto quadrado) e o chapéu, de preferência, deve ser de pêlo de animal e não de feltro. Esses e outros detalhes de roupa de cowboy seguem o estilo original do western, mas há improvisações: a bota de bico fino e salto carrapeta, os lenços, camisas com coletes de antílope, entre outros acessórios, demonstram a criatividade dos brasileiros no modo de vestir. Não existe, de fato, uma aculturação do modelo norte-americano, apenas uma identificação com o estilo.
No mundo dos verdadeiros cowboys não cabem imitações. Existem dois segmentos bem distintos: o western e country. O primeiro é formado por cowboys de arena que vão aos rodeios vestindo calça jeans, camisa com dois bolsos aplicados, punho com dois botões, bota bico roper e chapéu. Em alguns casos, usam jaquetas discretas; porém, jamais lenços no pescoço. Já o segundo grupo enquadra os chamados cowboys urbanos, que usam roupas mais ousadas e sem muito rigor nos detalhes, assinalam a criatividade e a “regionalização” do country brasileiro. Contudo, a globalização aumenta a tendência de imposição cultural; deste modo, os Estados Unidos tornaram-se pequenos para o country e as empresas que movimentam esse setor expandiram-se, com toda a força, para os países que assimilaram o estilo, como o Brasil, numa ofensiva que não se deu apenas na moda, mas também por meios de empresas de eventos e gravadoras especializadas, como o Paradox Music.
Especialistas no assunto garantem que, no Brasil, o country está tanto para o cowboy do asfalto, quanto para o cowboy da arena e dizem que, embora sem raiz cultural como nos Estados Unidos, o country existe no ideário do nosso povo e revela-se mais pelo visual do que pelo comportamento.
Os mais conservadores consideram que, no Brasil, a mídia expõe a cultura western de “forma caricata”. Entretanto, reconhecem que os meios de comunicação de massa, assim como os eventos culturais, tais como os shows musicais, os rodeios e festas de peão, foram os principais responsáveis pela divulgação do country no país, a partir dos anos 80.
Esse mundo country, apoiado pelos meios de comunicação, principalmente pela Rede Globo de Televisão, tende a uma contínua expansão. Em 2005, a novela "América", escrita por Glória Perez, sob a direção de Jayme Monjardim, abordou o sonho dourado de viver nos Estados Unidos da protagonista Sol, vivenciada por Deborah Secco, enquanto seu par romântico, o cowboy Tião, interpretado por Murilo Benício, lutava para conseguir realizar seu grande sonho, e do seu pai, o falecido Acácio: tornar-se campeão do rodeio de Barretos.
Neste mesmo ano, os jeans dos cowboys também ganharam as telas de cinema, no filme norte-americano "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005), vestindo os protagonistas do romance gay dirigido por Ang Lee.


Cartaz e cenas do filme Brokeback Mountain, 2005

Referencias Bibliográficas
DOWNEY, Lynn. This is a pair of Levi’s jeans: the official history of the Levi’s Brand. San Francisco: Levi Strauss & Co. Publishing, 1995.
DURAND, José Carlos. Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988.
HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
RANDAZZO, Sal. A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Tradução: Mário Fondelli. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. (administração & negócios)
TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Fonte
ZIBETTI, Silvana. Jeans, um símbolo da cultura jovem. Dissertação (Mestrado Mídia e Cultura) – Faculdade de Comunicação e Turismo, Universidade de Marília, Marília, 2007.

8 comentários:

Remindo disse...

Em 1948, a Roupas AB, de São Paulo, lançou a primeira calça de brim azul no Brasil, a Rancheiro. Não fez muito sucesso: o brim era rigido demais. Mas em São Paulo, o jeans durante muito tempo ficou conhecido como calça rancheiro. Um pouco mais tarde, a Alpargatas lança as calças Rodeio, feitas com o famoso brim Coringa. Dai os jeans brasileiros serem conhecidos também como “brincoringas”
Em 1956, a Alpargatas lançou a Far-West, a “calça que resiste a tudo”, como diziam os anúncios. Na Argentina a Alpargatas também lança a Far-West, lá a calça rancheira é chamada vaquero.

Remindo disse...

Quem lançou a primeira calça jeans de cowboy não foi a Levi Strauss da California, mas a Lee de Kansas City. A Lee também lançou neste ano o primeiro jeans com Zipper. na década de trinta, com a expanção do turismo nos Ranchos do Oeste, a Levi's passou a usar a figura dos cowboys na sua propaganda. Basicamente a Levi's é e calça de mineiro e de agricultores, a Lee e a Wrangler como calças de cowboy.

Anônimo disse...

Olá Remindo!

Estou estudando sobre a calça e gostaria de saber se você tem algum livro que indicaria.

Obrigada
Julie Maria
modaemodestia@google.com.br

Silvana Zibetti disse...

Obrigada pela sua contribuição.

Silvana Zibetti disse...

A Levi's lançou a primeira calça jeans para os cowboys em 1926.

LucasVidaFotografia disse...

olá tudo bom..
MAterial digno de toda aceitação a respeito do Jeans.
Gostaria de saber o seguinte: Tina Tunner, como icone em sua epoca influenciou o uso da calça Jeans como marca ou moda, ou isso é um assunto equivocado?
há um certo tempo, ouvi algo assim, mas não obtve nada concreto em nenhuma fonte na internet, nem algo especulando.
Agradeço qualquer retorno com informação e fonte

marcia ferreira disse...

estou quebrando a cabeca p/ me lembrar qual a musica q tocava num comercial da wrangler na tv globo nos anos 80....alguem lembra?

Manoelfredo disse...

A CALÇA US TOP LANÇADA PELA SAO PAULO ALPARGATAS EM 1972 ERA TAO BOA QUANTO A LEE E LEVIS,USEI MUITO NOS ANOS 70, AINDA EXISTE DA ORIGINAL DE TECIDO DE 14 ONÇAS, POR INCRIVEL QUE PAEÇA AQUI EM CAMPOS TEM UMA LOJA QUE VENDE.